terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Manhãs…apenas manhãs






…acordo com as lambidelas da Pipoquinha no meu queixo. Sendo arredondado, é, digamos, a única proeminência encontrada (em opção, costuma ser uma orelha…). Gosto, confesso que gosto destes beijos de língua húmida e macia, faz-me rir: “Pára!”, digo (não mando, não), entre risadas, cuja tradução é: “Adoro isto!”. Ela percebe-me e insiste, é tudo o que eu quero…Há poucas formas de ter um acordar, digamos, “agradável”, mas este é, sem dúvida alguma, um deles…
No escuro, apalpo “a miudagem” (claro, enquanto a mãe estiver deitadinha, “nós” também estamos, pois claro!), “ao menos uma vez na vida que não seja a primeira a levantar-me…queres rua? Vai pedir ao dono, vai!”
Sinto-me bem como há muito não me sentia, dormi bem (com “ajudas”, é certo!, mas uma mulher não é de ferro…nem quer ser!), estou bem disposta.
A manhã está cinzenta, mas amena, não é tarde, apenas não é muito cedo, o suficiente para aproveitar bem o dia…a garota quer comer, eu também.
Entro na “lavandaria” e aceno com a cabeça: só dá para rir! Haja paciência! Componho, endireito, o costume…”ai (suspiro), não vale a pena…”

Ouço o “Bom dia” do costume, a localizar-me (“cantado”, de boa disposição), penso o habitual: “Este rapaz é como os cães, acorda sempre bem disposto…até faz impressão!” Hoje (tem sorte!), também respondo a cantarolar, escondendo uma risada que teima em sair e acrescento:

“- Olha lá, isto não vai estar seco nem em Agosto…é esta a tua noção de estender roupa?! A roupa, por acaso, está a fazer meninos…uma em cima da outra?” – e largo a tal gargalhada reprimida.
“ – Lá estás tu…a ver o pormenor, em vez de ver o global…” – a rir-se, também.
“ – É a resposta mais apalermada que já ouvi…e olha lá se estou habituada às tuas palermices…” conformo-me, abrindo o frigorífico. Servimo-nos os dois, sentamo-nos e vemos desenhos animados (quem disse que não havia aqui crianças?! São é em XXL…), F. acrescenta comentários jocosos às falas dos ursinhos, provocando-me risos. A miudagem anda por ali, pedindo mimos e afagos, este é o meu Quadro.
“ – Olha o eu fiz ontem” – diz-me, abrindo a porta do fogão – “é para o almoço!”
“ – Como fizeste?! Não me cheirou a nada, quando cheguei…” – quer saber o meu desconfiómetro.
“ – …Fiz de tarde…querias que guardasse o cheiro, num frasco?!”
“ – Nããão, quero que te ponhas a andar e me deixes sossegada…És tão parvo!”
“ – Precisas de alguma coisa: cigarros, …? – pergunta, enquanto me beija o pedaço do ombro à mostra, seguido de uma pequena “mordidela”.
“ – Nãão” – encolhendo-me a rir – “só Paz e sossego, sff. Vou dar um jeito nisto (referindo-me, sobretudo, à minha roupa acumulada num cabide), vou “arejar” com a canita e volto à hora de almoço, para provar esse petisco. De tarde, vou ver um filme, com especial atenção a uma personagem, que me recomendaram…Acho-a “meia-amalucada” pró meu gosto, quero ver com especial concentração…

(…)
No jardim, cenários da vida: os sem-abrigo com os pombos, pessoas jovens passeiam cães jovens, pessoas mais maduras passeiam cães idosos (companheiros de uma vida), raparigas correm, suadas, de phones nos ouvidos, rapazes de bicicletas, outras pessoas passam com sacos de super-mercado, todo o comércio tradicional está aberto, apesar de ser feriado…Não me enquadro em nenhum dos rótulos, é o habitual, apenas observo. Prendo a “toura branca” quando avisto os cavalos da GNR que patrulham o jardim: a garota “embirra” com os cavalos, são brancos, como ela …deve achar que são cães muuuito grandes…os agentes sorriem-me (ou será para ela, não interessa!), já nos conhecem. Solto-a de novo, para que brinque à vontade, para que explore, de novo, os caminhos que tão bem conhece, porque há sempre algo novo para descobrir. Sento-me num banco ao sol, e vigilante, respondo a sms que ontem não pude. Troco sms com uma amiga, que me diz que atravessa um período “horrível”. Quero que defina “horrível”: trabalho ou o filho? A mãe internada e com sequelas, o filho também esteve internado…tenho que lhe dar apoio, bolas!, como não havia notícias, achei que estava tudo bem, recrimino-me. Agendo peças soltas que me vou lembrando, a Pipoquinha descansa deitada aos meus pés. Liga-me uma amiga:

“- blablabla…Que tens feito, que ninguém sabe de ti? Muito trabalho?” – quer saber.
“ – Nem me lembres…o costume…estou tão farta, mas tão fartinha mesmo…” – desabafo – “sabes que paciência para a estupidez nunca foi o meu forte…e sinto cada vez menos…às vezes, acho que vou rebentar, dão comigo em louca.”

“ – E nos tempos livres? Ninguém sabe de ti, há uns tempos…”
“ – Ah, isso” – abro num sorriso -, “tenho andado a “namorar”…
“ – A namorar?!” – admira-se – “Estás parva!”
“ – Não estou nada” – sossego-a, às gargalhadas (quem me conhece há tantos anos, sabe que nunca fui “namoradeira”) – “sabes quando namoras uma coisa que nunca será tua, um casarão nas Caraíbas, uma viagem à Lua…?”
“ – Tu não és disso” – desmente-me (sabe que não há, materialmente falando, algo que eu desejasse muito e não pudesse ter…)
“ – Não era, minha querida” – às gargalhadas – “agora sou: há uns 2 meses, andei na Musgo a namorar umas malas, até já dizia às funcionárias que só ia ali para namorar, porque não me conseguia decidir por nenhuma e comprar todas seria um disparate…acabei com a namorice quando me perguntei: preciso mesmo disto ou é só um capricho? As malas irão acrescentar felicidade à minha vida…? E ficaram lá todas, quando encontrei a resposta, mas foi tão bom namorá-las…percebeste a ideia? Namoriscar uma coisa que nunca será minha, mas que dá imenso prazer, mesmo assim…como namorar os livros na livraria, sabendo que, um dia, não resistirei e irei levá-los comigo…namorar a estreia de um filme, saboreando o momento e pensar que “estou em pulgas” para ir ver…namorar, perpetuar o momento, enquanto ele dura…” – perco-me em divagações, umas certas, outras nem por isso…coitada, não está a perceber nada…já somos duas!
“ – Acho que te percebi…” - atreve-se, nada convicta – “mas se estás bem, é o que interessa. Olha, encontramo-nos em Janeiro?” – que bem me conhece…
“ – Sim, deixa lá passar isto…esta coisa…do Natal!” – não consigo impedir a rosnadela.

Caminho com a Pipoquinha, que aturou esta tagarelice sem perceber coisa nenhuma…junta-te ao clube, filha!
Ligo para um amigo: chilreamos muito, desabafos de lá, desabafos de cá…coisas! Ninguém disse que a vida era fácil, pois não? Preocupo-me, interrogo-me, não encontro respostas, ele também não…O abstracto, o concreto, tudo se mistura…O querer e o não querer! Enfim, este complexo Universo que somos cada um de nós…à sua maneira!

Chego a casa, o carro de F. estacionado informa-me: “Hum, comidinha na mesa, que eu mereço ser tratada como uma princesa!”.
A Pipoquinha está estourada (vai direitinha para a cama), a manhã está encerrada, mas eu não…estou viva, viva e cheia de projectos, de ideias, numa energia contagiante!

…passei 5 anos “a hibernar”, achando que isso ia amenizar a dor, esta dor que teima em apunhalar-me. Hibernar os sentimentos…para não sofrer mais, impediam-me, também, de viver! E, tomada a decisão há 5 meses, de acordar, parece que está a dar resultado! O que custa é decidir, ganhar coragem para o 1º passo…o resto, vamos vivendo, um dia de cada vez, com a ajuda dos amigos de Sempre e, também, com a de outros, mais recentes…Caminhar faz bem!

2 comentários:

maria teresa disse...

Amei! A sério, é um diário muito rico em pormenores, tudo muito bem explicado com as palavras certas. Daria uma boa escritora...
Bjis

Anónimo disse...

Eu assino por baixo de Maria Teresa... Realmente tem-se vindo a encontrar aqui textos escritos com a alma, com o coração, daquelas narrações que só que têm o coração na ponta dos dedos, consegue escrever. Parabéns. Bem elaborado, bem definido, bem estruturado, bem tudo...
Eu só vou acrescentar algo, ao que maria teresa disse:" Daria uma muito boa escritora"!

Keep going

:)

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