
A frente polar fez-se sentir…um dia lindo, de arrepiar!
Não muito cedo, para não apanhar com “os estragos” das noites dos outros, é tempo de rumar à Vila, o sítio onde viveria eternamente, onde me encontro…
Não sem antes um pedaço de “Conversas Soltas”:
“ – blablabla - …descobrir ser lésbica aos x anos…” - comenta F., entendendo-me uma revista cor-de-rosinha.
“ – Vês o que os homens podem fazer a uma mulher?” – contraponho – “ E ela…descobriu isso numa gaveta, não? Assim, tipo uma coisa esquecida, que de repente…oops, voilá!”
Folheia a revista, encontra a notícia e lê: “blablabla…teve 3 casamentos e 5 filhos…”, vou atalhando: “…com isso tudo, não admira…”, “ninguém pode dizer que ela não se esforçou, por muito menos, até eu…”
De repente, a “campainha” disparou: “Ah, mas essa é aquela…a mãe do rapaz do Regresso ao Futuro…da série…como se chama…que os pais eram todos pra frentex, e os putos uns grandes betinhos…”Quem sai aos seus!”, caramba, nem me lembrava, sabes qual é?, isso foi “noticiazinha” durante a semana, pois foi…” – concluo, “esgotada” com o esforço.
“ - E é bem gira!” – opina-se.
“- Ah, pois é” – concordo – “muito gira, mesmo...! Vou à Vila, volto a meio da tarde, antes do trânsito dos paroleses de domingo e antes que escureça…”
“ – Dá cumprimentos ao pessoal” – recomenda-me F. com um olhar semi-triste – “ Agasalha-te, vem ai uma frente polar”.
“- Sim, já me disseste ontem” – a minha paranóia do “não posso adoecer, que tenho muito trabalho…” já é conhecida por todos que me conhecem.
O percurso, curto, é saboreado a cada instante: a Pipoquinha dorme no banco de trás, pacificamente, como é costume. Cada desvio, cada curva, coloca-me mais perto. A Pipoquinha sente o cheiro dos eucaliptos e respira fundo, sabe que estamos a chegar. A chegar, com um sorriso!
Contorno a Vila, admirando a paisagem como se a visse pela primeira vez, desvio para a Doca, devagar, devagarinho, quase paro antes de pisar as primeiras redes. Uma mão no ar manda-me avançar, agradeço e cumprimento com um aceno. Mal me avistam, os “meus melrinhos” aparecem, vindos sabe-se lá de onde: há petiscos e festas para todos e “estás tão grande, miúdo, ainda te lembras de mim?”, “ tu, continuas gira, Mariana”. A Pipoquinha, distante, observa, com ar “enjoado”: ai que chatice, tanta confusão, e depois querem-me cheirar, fujo, sento-me…”, olho para ela: “esta miúda sai à “mãe”: não se cheguem muito a mim, que eu não gosto…” Deixo a canzoada a comer e procuro os gatos, abanando o pacote da ração, aparecem de todos os lados, esfregam-se nas minhas pernas, querem festas, muitas festas…que saudades destes meninos. Procuro um sítio abrigado e seco, entorno alguns pedaços, dou-lhes à boca e deixo o saco aberto, sirvam-se…Aceno a quem me observa, que retribuem e encaminho-me para a Pipoquinha, “vamos, querida, vamos passear…” Não se faz rogada e caminha à minha frente, cheirando os cantos, as redes (“não pises as redes, podem ter anzóis”), as madeiras, tudo o que encontra. E caminho pelo meio, inspirando profundamente, querendo “este” mar só para mim, como se o pudesse reter no peito, nos pulmões, em qualquer lado…vários pescadores estendem redes, desembaraçam cabos, o mesmo de sempre, seja Verão ou Inverno. Cumprimentam-me, falam alto, homens habituados a sobrepor a sua voz à Voz do mar. Vigio a Pipoquinha, eles “vigiam-me”:
“ – Tenha cuidado” – apontando – “não se chegue muito à frente, ali o mar…”
“ – Não se preocupe, não me aproximo: o meu marido diz que o mar é como as mulheres…” – largo uma gargalhada.
“ – Ah, as mulheres são muito piores!” – e riem-se, aqueles rostos que a dureza do mar sulcou. Estes homens que me “aceitam” no seu mundo, sem perguntas, que me “arranjam” sempre um cantinho, para o carro (“posso, de certeza? Não me risquem o carro, se precisar, acene-me que venho tirar…”, em resposta ao seus frequentes “ponha aqui, fica mais perto” e desviam rolos e rolos de cabos), para mim (“só preciso de uma língua de areia, para a sombra da cachorra”), que se riem, porque não quero ir “para o monte de gente” e dizem “esta é a melhor praia” e dos “malabarismos”, encarrapitada nas rochas, quando a maré sobe, e de quando tomo banho, escondida da Polícia Marítima, contrariando a proibição…Estes homens simples, alguns iletrados, mas que são os homens do nosso povo, que partilham comigo o “seu” mar, sabendo que não o danifico, que assumem os seus medos, sem pudores, mas com respeito pela Natureza…e caminho ao sol, este sol quase branco, absorvendo e recordando memórias.
Não muito cedo, para não apanhar com “os estragos” das noites dos outros, é tempo de rumar à Vila, o sítio onde viveria eternamente, onde me encontro…
Não sem antes um pedaço de “Conversas Soltas”:
“ – blablabla - …descobrir ser lésbica aos x anos…” - comenta F., entendendo-me uma revista cor-de-rosinha.
“ – Vês o que os homens podem fazer a uma mulher?” – contraponho – “ E ela…descobriu isso numa gaveta, não? Assim, tipo uma coisa esquecida, que de repente…oops, voilá!”
Folheia a revista, encontra a notícia e lê: “blablabla…teve 3 casamentos e 5 filhos…”, vou atalhando: “…com isso tudo, não admira…”, “ninguém pode dizer que ela não se esforçou, por muito menos, até eu…”
De repente, a “campainha” disparou: “Ah, mas essa é aquela…a mãe do rapaz do Regresso ao Futuro…da série…como se chama…que os pais eram todos pra frentex, e os putos uns grandes betinhos…”Quem sai aos seus!”, caramba, nem me lembrava, sabes qual é?, isso foi “noticiazinha” durante a semana, pois foi…” – concluo, “esgotada” com o esforço.
“ - E é bem gira!” – opina-se.
“- Ah, pois é” – concordo – “muito gira, mesmo...! Vou à Vila, volto a meio da tarde, antes do trânsito dos paroleses de domingo e antes que escureça…”
“ – Dá cumprimentos ao pessoal” – recomenda-me F. com um olhar semi-triste – “ Agasalha-te, vem ai uma frente polar”.
“- Sim, já me disseste ontem” – a minha paranóia do “não posso adoecer, que tenho muito trabalho…” já é conhecida por todos que me conhecem.
O percurso, curto, é saboreado a cada instante: a Pipoquinha dorme no banco de trás, pacificamente, como é costume. Cada desvio, cada curva, coloca-me mais perto. A Pipoquinha sente o cheiro dos eucaliptos e respira fundo, sabe que estamos a chegar. A chegar, com um sorriso!
Contorno a Vila, admirando a paisagem como se a visse pela primeira vez, desvio para a Doca, devagar, devagarinho, quase paro antes de pisar as primeiras redes. Uma mão no ar manda-me avançar, agradeço e cumprimento com um aceno. Mal me avistam, os “meus melrinhos” aparecem, vindos sabe-se lá de onde: há petiscos e festas para todos e “estás tão grande, miúdo, ainda te lembras de mim?”, “ tu, continuas gira, Mariana”. A Pipoquinha, distante, observa, com ar “enjoado”: ai que chatice, tanta confusão, e depois querem-me cheirar, fujo, sento-me…”, olho para ela: “esta miúda sai à “mãe”: não se cheguem muito a mim, que eu não gosto…” Deixo a canzoada a comer e procuro os gatos, abanando o pacote da ração, aparecem de todos os lados, esfregam-se nas minhas pernas, querem festas, muitas festas…que saudades destes meninos. Procuro um sítio abrigado e seco, entorno alguns pedaços, dou-lhes à boca e deixo o saco aberto, sirvam-se…Aceno a quem me observa, que retribuem e encaminho-me para a Pipoquinha, “vamos, querida, vamos passear…” Não se faz rogada e caminha à minha frente, cheirando os cantos, as redes (“não pises as redes, podem ter anzóis”), as madeiras, tudo o que encontra. E caminho pelo meio, inspirando profundamente, querendo “este” mar só para mim, como se o pudesse reter no peito, nos pulmões, em qualquer lado…vários pescadores estendem redes, desembaraçam cabos, o mesmo de sempre, seja Verão ou Inverno. Cumprimentam-me, falam alto, homens habituados a sobrepor a sua voz à Voz do mar. Vigio a Pipoquinha, eles “vigiam-me”:
“ – Tenha cuidado” – apontando – “não se chegue muito à frente, ali o mar…”
“ – Não se preocupe, não me aproximo: o meu marido diz que o mar é como as mulheres…” – largo uma gargalhada.
“ – Ah, as mulheres são muito piores!” – e riem-se, aqueles rostos que a dureza do mar sulcou. Estes homens que me “aceitam” no seu mundo, sem perguntas, que me “arranjam” sempre um cantinho, para o carro (“posso, de certeza? Não me risquem o carro, se precisar, acene-me que venho tirar…”, em resposta ao seus frequentes “ponha aqui, fica mais perto” e desviam rolos e rolos de cabos), para mim (“só preciso de uma língua de areia, para a sombra da cachorra”), que se riem, porque não quero ir “para o monte de gente” e dizem “esta é a melhor praia” e dos “malabarismos”, encarrapitada nas rochas, quando a maré sobe, e de quando tomo banho, escondida da Polícia Marítima, contrariando a proibição…Estes homens simples, alguns iletrados, mas que são os homens do nosso povo, que partilham comigo o “seu” mar, sabendo que não o danifico, que assumem os seus medos, sem pudores, mas com respeito pela Natureza…e caminho ao sol, este sol quase branco, absorvendo e recordando memórias.
Deparo-me com Mestre Jacinto, ainda a 4 passos estende-me a mão, numa fraqueza única. Desenluvo a minha rapidamente, que se perde naquela mão escura e calejada, com visível satisfação. Pergunto pela família, pelos cães, como vai a vida…Pergunta-me pelo “patrão”, convida-me para almoçar e acrescenta: “ Vê, limpei o céu para si…”, é uma private joke, que me repete [quase] sempre que me vê, referindo-se ao céu limpo de nuvens. Agradeço com um amplo sorriso, vou continuar, “só vim ver os mergulhões, ainda lá estão?”, Confirma-me e recomenda-me: “Quando for embora, não vá por ali, há o perigo de derrocada…”, não vou, fique descansado, isso é para o irreverente do meu marido, eu não arrisco…
Continuo, como se não houvesse fim: os optimists preparam-se para largar, o instrutor (“filho da escola”, colega de F.) acena-me: “blablabla…queres vir dar uma volta?”, não posso: não tenho tempo, tenho a cachopa (e aponto os meus pés) e não me vou descalçar, mas pergunto, ansiosa “as “minhas” praias ainda têm areia ou o mar já levou tudo?”, tudo ok, tens as tuas praias à tua espera, tranquiliza-me. Dou um olá à garotagem, “meninos, divirtam-se, mas respeitem, o mar é nosso amigo”. Encaminho-me para o Naval, um grupo prepara a saída, verificam equipamentos, recebem instruções, nem me aproximo. Alguns acenos, que retribuo de longe, exibindo 3 dedos (gosto deste pessoal, comunicamos com silêncios). Vejo-os arrrancar, potência [quase] máxima, 2 motores fora de bordo num fogo de artifício de espuma branca…Isto era para mim? Parece que sim, recebo um aceno! Sorrio de satisfação, a vê-los desaparecer…Quanto já caminhei? Não me interessa, já cheguei: encarrapito-me numa rocha, instalo a Pipoquinha na mais plana que há e fico a vê-los…já não distingo o “meu” mergulhão, o que se mantinha a um metro de mim, na baía…e fico ali perdida, a observá-los, tempos sem fim, ao vento, ao sol…
Regresso por outro caminho, desfruto o prazer da caminhada, salpicada de cumprimentos. Encho a tigela que retiro da mala com água de uma torneira para a Pipoquinha, que bebe com satisfação. Continuamos, vagarosamente, detenho-me na esplanada, “espera aqui, que venho já”, entro, vigilante (desde que me veja, não se mexe), cumprimento, peço “blablabla, dá-me qualquer coisa, tenho sede, um sumo natural do que tiveres…laranja, cenoura…manga…maracujá, o que tiveres…olha, arranja-me dois, se faz favor, estou cheia de sede…para comer, nada, não me apetece, só tenho sede, é do vento…”
E o tempo passa e eu não dou conta. A Pipoquinha deitada aos meus pés, imóvel, mas vigilante. A custo, levanto-me: “são horas, querida, vamos!”. Deleito os olhos e o coração, viro as costas a sorrir…Haja o que houver, estará aqui, à minha espera…
Continuo, como se não houvesse fim: os optimists preparam-se para largar, o instrutor (“filho da escola”, colega de F.) acena-me: “blablabla…queres vir dar uma volta?”, não posso: não tenho tempo, tenho a cachopa (e aponto os meus pés) e não me vou descalçar, mas pergunto, ansiosa “as “minhas” praias ainda têm areia ou o mar já levou tudo?”, tudo ok, tens as tuas praias à tua espera, tranquiliza-me. Dou um olá à garotagem, “meninos, divirtam-se, mas respeitem, o mar é nosso amigo”. Encaminho-me para o Naval, um grupo prepara a saída, verificam equipamentos, recebem instruções, nem me aproximo. Alguns acenos, que retribuo de longe, exibindo 3 dedos (gosto deste pessoal, comunicamos com silêncios). Vejo-os arrrancar, potência [quase] máxima, 2 motores fora de bordo num fogo de artifício de espuma branca…Isto era para mim? Parece que sim, recebo um aceno! Sorrio de satisfação, a vê-los desaparecer…Quanto já caminhei? Não me interessa, já cheguei: encarrapito-me numa rocha, instalo a Pipoquinha na mais plana que há e fico a vê-los…já não distingo o “meu” mergulhão, o que se mantinha a um metro de mim, na baía…e fico ali perdida, a observá-los, tempos sem fim, ao vento, ao sol…
Regresso por outro caminho, desfruto o prazer da caminhada, salpicada de cumprimentos. Encho a tigela que retiro da mala com água de uma torneira para a Pipoquinha, que bebe com satisfação. Continuamos, vagarosamente, detenho-me na esplanada, “espera aqui, que venho já”, entro, vigilante (desde que me veja, não se mexe), cumprimento, peço “blablabla, dá-me qualquer coisa, tenho sede, um sumo natural do que tiveres…laranja, cenoura…manga…maracujá, o que tiveres…olha, arranja-me dois, se faz favor, estou cheia de sede…para comer, nada, não me apetece, só tenho sede, é do vento…”
E o tempo passa e eu não dou conta. A Pipoquinha deitada aos meus pés, imóvel, mas vigilante. A custo, levanto-me: “são horas, querida, vamos!”. Deleito os olhos e o coração, viro as costas a sorrir…Haja o que houver, estará aqui, à minha espera…
3 comentários:
Simplesmente... 'delicioso'...
Já nem encontro palavras para definir tão boa escrita, tenho a sensação que tudo o que disser, será pouco para descrever o que leio...
Excelente!
*
Deixo este teu 'espaço' com o mesmo sorriso com que deixaste o teu 'paraíso'...
:-)
'escanqueirado'
Deixou transparecer tranquilidade neste texto que acabo de ler...Está de bem consigo e não está compartimentada, que bom!
Abracinho
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