[AG “desaba” na cadeira à minha frente, quebrando o meu sossego, perdida entre pensamentos e o jornal aberto numa página qualquer, enquanto debico “gajas giras”, para me recompor dos excessos alimentares dos últimos dias].
-“Encontrei ontem um livro que julgava perdido: O Prazer da Dieta, do Fernando Povoas”.
Levanto o olhar, lentamente, controlando-me para não a “fuzilar”, "grrr, mas há algum prazer numa dieta?!":
- “Senhora… quer emagrecer ... o quê?!” – enfatizo, numa agressividade-amável [um dia, explico este conceito :)].
- “ A minha relação com a comida é péssima…”
(e eu não sei?! – penso - pior, é doentia, é obsessiva, é uma grande paranóia!)
- “Faço tudo errado!” – prossegue, perante o meu silêncio, num chorrilho de descrições que tão bem conheço…episódios antigos, semi-recentes, todos demasiado presentes na minha memória. “Preciso de levar na cabeça…de pagar para me darem na cabeça!”
Endireito-me, cruzando os braços sobre o peito (tradução: altivez, indignação, arrogância):
- “É preciso ter lata, livra! Tanta blasfémia junta! Com os seus conhecimentos [alusão aos negócios “particulares” que tem, todos na área da Saúde e da Estética – por sua vontade, desde que me conhece, faria de mim uma Barbie…morena!), precisa de pagar para lhe dizerem o que sabe de ginjeira?!”
- “Eu não sou como a minha amiga, que tem a gratidão de me ouvir” – ignoro, comovida – “que precisa de perdão, que a compreendam… Eu preciso que me “batam”…”
- “…de chibata!” – completo, para quebrar o nervosismo.
Esta mulher é um rochedo, é “dupla” como eu [mas dos “outros”], é de humores variáveis, é complicada, é demasiado extrovertida…mas é um rochedo! Uma mulher que aguentou a “passagem” dos pais, ambos vitimas de prolongadas doenças. Que ninguém se queixe “de dores de cabeça”, que grita de imediato: “Vocês não sabem o que é ter dor, vocês não sabem o que é tomar morfina [sei eu, ela sabe que sei, e que pouco alívio me trazia…] e nada aliviar a dor!”. Esta mulher que fez a 1ª lipo “a sangue-frio”, sofreu horrores durante 2 horas, por punição: não era uma cirurgia de intervenção, era de estética, “tinha” que sofrer! (na altura, chamei-me todos os nomes, de louca para cima!).
Mas é a pessoa mais solidária que conheço e foi uma das mãos que apertei no momento mais duro da minha vida, desesperada de dor. E chorou comigo, esta mulher que é um rochedo, revendo em mim o seu próprio sofrimento. Esta mulher que me estendeu, dias depois, um papel com um nome e um número de telefone, o psicólogo que a “ajudou” aquando a sua 1ª perda. Que lhe disse, mal a viu: “Foi muito difícil chegar até aqui” (ainda tenho esse papel, revelei-lho há poucos dias, sem nunca o ter usado: “Que vou dizer a um estranho? Faz-me melhor falar consigo…”, confessei-lhe).
E insiste, perante a minha [aparente] indiferença: “Não sou como a minha amiga” – aponta, com clareza, para mim, para que não haja margem para dúvidas -, “que tem a gratidão de me ouvir…”
Dou agora vazão à emoção contida: as palavras “minha amiga” e “tem a gratidão de me ouvir” ressoam no meu coração: foi a sua forma de me pedir colinho, e eu "amo" esta mulher, que é um grande pilar há 17 anos, que conheci “roliça” e depois esquelética; ela conheceu-me “uma miúda” e viu-me “duplicar” …e dava-me na cabeça e eu gritava: “Pare, não quero ouvi-la, quero afogar-me em chocolate e morrer já e aqui, porque a vida já não faz sentido!”.
Esta mulher, que é um rochedo… que acompanha e incentiva o meu “renascimento” desde Setembro último… que me pergunta, todos os anos, em determinado dia: “Quantos faz?” e perante a resposta, olha-me com os seus lindos olhos, sempre perfeitamente maquilhados: “Caramba! Como o tempo passa!” ou que, de vez em quando, “olha-me” como se fosse a 1ª vez e constata: “Bolas! É mesmo alta!”
Oxalá esta mulher, que é um rochedo, saiba o quanto a admiro, não pelas nossas borgas, nem pelas sms’s trocadas pela noite, sobre as canitas, sobre o trabalho, sobre…tudo e sobre nada, mas pelo ser humano maravilhoso que é!
E, hoje, as suas palavras surpreenderam-me…fortemente!
Esta mulher, que é um rochedo, pediu-me colinho e desnudou-se, de sentimentos…
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