quinta-feira, 9 de junho de 2011

Desabamento





Ao meio do dia, a notícia derrubou-me: “Vou-me embora. Desisto”.
Por momentos, ceguei, entrei em pânico: “Estás parvo? Não podes desistir…não te deixo ir embora.”
“Não te posso perder” – pensei, apavorada – “não posso perder-te.”

Não posso perder mais ninguém…o meu Mundo já ruiu, ruiu tantas vezes e recomecei, recomecei sempre, frágil, trémula…vacilante…mas recomecei.

E passei a tarde, com a tua mão entre as minhas, afogando-me em lágrimas de sangue, corrosivas, que me atrofiam o coração.
Peço-te que fiques. Imploro que não desistas.
Repito incessantemente: “Fica…por favor…fica”.



Dilacerada, acaricio a tua mão, atravessada de veias azuis, tão grande em contraste as minhas, morenas, pequenas, onde encosto a testa: “Tu não me podes fazer isso…não desistas…”
Quis pedir-te por tudo, pelos teus filhos, pelo que te seja mais sagrado. Seria uma covardia. Só (te) posso pedir por mim… “Peço-te que não o faças”.
Invoco céus e mares, deuses e todos os elementos do Universo…que todas as Forças me ajudem, agora, em uníssono…”Tu não me podes fazer isso, tu não podes desistir…”
Focalizo, desesperada. Resta-me continuar a implorar, a dar-te milhares de razões para ficares e nenhuma plausível para ires…Deixo-me ficar, a repetir-me, a apelar-te: “Fica…por favor…fica…”
A noite vai alta, eis a reacção: “Por ti fico. Mas…vontade de desistir, sabes?”.
Serei âncora que te segure?
Conseguirei abraçar-te?
Sinto que te vou perder, e, desta vez, sem aviso…estou aniquilada!


Em memória eterna do Momento que desabou sobre mim, qual Força da Natureza, um legado a todos os meus Amigos…porque pode não haver outra oportunidade…
Um dia a maioria de nós irá separar-se.
Sentiremos saudades de todas as conversas
jogadas fora,...das descobertas que fizemos,
dos sonhos que tivemos, dos tantos risos
E momentos que partilhamos.
Saudades até dos momentos de lágrimas,
Da angústia, das vésperas dos finais de semana,
dos finais de ano, enfim…do companheirismo vivido.
Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre.
Hoje não tenho mais tanta certeza disso.
Em breve cada um vai para seu lado,
Seja pelo destino ou por algum desentendimento, segue a sua vida.
Talvez continuemos a nos encontrar,
Quem sabe…nas cartas que trocaremos.
Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices…
Aí, os dias vão passar, meses…anos…
Até este contacto se tornar cada vez mais raro.
Vamo-nos perder no tempo….
 
Um dia os nossos filhos verão
as nossas fotografias e perguntarão:
“Quem são aquelas pessoas?”
Diremos…que eram nossos amigos
e…isso vai doer tanto!
“Foram meus amigos, foi com eles que vivi
tantos bons anos da minha vida!”
A saudade vai apertar bem dentro do peito.
Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes
novamente……
Quando o nosso grupo estiver incompleto…
reunir-nos-emos para um último adeus de um amigo.
E, entre lágrima, abraçar-nos-emos.
Então faremos promessas de nos encontrar
mais vezes daquele dia em diante.
Por fim, cada um vai para o seu lado para
continuar a viver a sua vida, isolada do passado.
E perder-nos-emos no tempo…..
Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo:
não deixes que a vida passe em branco,
e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades….
Eu poderia suportar, embora não sem dor,
que tivessem morrido todos os meus amores,
mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!

(Fernando Pessoa)

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei do texto.
Acho perfeitamente actual o texto de Fernando Pessoa.

Nem sempre compreendo a facilidade com que se rompe amizades, afectos, uniões.

Compreendo que a rotina e, sobretudo, a velocidade introduzida no nosso quotidiano torne o relacionamento humano esquisito, frenético.

Chego a pensar que entre o instante e o eterno as pessoas, descuidando-se, deixam que se instale o efémero.

Bjs