quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Erase




Acordei esta manhã com uma agradável e suave sensação de bem estar. Espreitei o dia que amanhecia cinzento e espreguicei-me, sorrindo na penumbra. A Pipoquinha aproxima-se da minha cara e, abraçando-a, recordei o dia anterior:
Jardinagem
A decisão estava tomada há muito, mas, mesmo em tempo de férias, estava com uma preguiça... Mesmo sabendo que era imperioso: as ervas-daninhas estavam a destruir o meu jardim…

Estas ervas-daninhas estavam camufladas sob lindas e belas flores, não sendo visíveis à vista desarmada.

São ardilosas, maquiavélicas, cruéis, lixo nuclear, que alastra e contamina o solo e o ar.

Piores que as flores de plástico. Estas, coitaditas, sem odor, sem cor, nem vida abundam nos cemitérios e em jarras de mesas com toalhas aos quadrados. São pirosas, falsas, que se detectam ao primeiro olhar, que só enganam enquanto queremos ser enganados

Para arrancar, pela raiz, as ervas-daninhas, não é fácil. Não basta decidir e já está…Nada disso: devemos aguardar pelo nosso momento, aquele em que estamos preparados e seguros para a execução. Exige estar em boa condição física e psíquica, calçar umas luvas, observar pela última vez o nosso jardim (sim, porque ao extrair as ervas-daninhas também somos forçados a matar algumas flores outrora belas e viçosas…apesar de contaminadas!), e sem apelo nem agravo…mãos à obra!
Lenta e conscientemente, uma a uma, as ervas daninhas, que viveram meses no meu jardim, são arrancadas.

Uma a uma.
Sem ressentimentos.
Uma a uma.
Sem mágoas.
Uma a uma.
Sem hesitações.
Uma a uma.
Com a frieza-clínica que me caracteriza na tomada de decisões inadiáveis.

É uma tarefa dolorosa; mesmo sabendo da sua existência nefasta e destruidora.
Colocadas em monte, sacudo as mãos, descalço as luvas - Well done! - e ateio-lhe fogo.
As flores contaminadas contorcem-se, gemem, reduzem-se a cinzas: os Sonhos do Jardim Paraíso.

O fumo deste Fogo emite letras, que formam uma palavra: VERME - e eu sorrio de satisfação.

Ao pôr do sol, a tarefa está concluída. Sinto-me leve e em paz. Aliviada.

Recolho as cinzas.
Poderia guardá-las numa urna, no Baú das Recordações.
Opto pelo latão do lixo. É onde pertencem: à covardia, à mentira, à falsidade…
Viro as costas com indiferença: ACABOU! PARA SEMPRE!
(…)
Aproximo-me da janela do meu quarto e deparo-me com o meu jardim quase despido: sobraram poucas flores sãs…entristeço-me por um segundo - há muito tempo que esta execução deveria ter sido realizada e nunca tomaria a propagação que obteve -, mas já tenho novas plantas, novas flores, novas sementes, nova vida para decorar o meu jardim. E sei que darão bons frutos…

Acaricio a cabeça da Pipoquinha:
“ - Anda, querida, vamos para a praia! Que biquini vou usar hoje?…”

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá!

Passei para deixar uma saudação.

Libertya... disse...

"Pipoquinha" é um termo que chamava, e ainda hoje o faço, às inspirações da minha vida... :)

Não há jardim sem erva daninha, nem vida sem precalço, é uma questão de saber aniquilar ou desviar... ambas, de cada uma.

Gostei muito do blog.

Beijo libertyo