quarta-feira, 14 de março de 2012

A Lição



Interrogo-me diversas vezes sobre a Mentira. A mentira gratuita, chamada de perna-curta, a mentira de querer viver outras vidas ou ser-se como não se é. Admito que sempre me fez muita confusão. Encaro-a como conflituosa, ardilosa, falsa…puramente falsa realidade.
Todos colorimos a vida … com mentiras, os clássicos: “Ah, estava um tempo maravilhoso, foi um fim de semana impecável”, é uma mentira relativa: ok, choveu o tempo todo, mas quem disse que não gosto de chuva?! Ou “fiz umas compras excelentes”, no reino feminino, depreende-se peças boas e baratas (ocorre-me agora as minhas maravilhosas calças Prada, pretas de corte clássico, lindas de morrer… por 6 euros, num outlet! Genuínas, nada de contrafacção), mas, de novo, a noção de barato versus caro é relativa. E podia mencionar casos sem fim de situações diversas em que colorimos a vida diariamente…
Há cerca de 3 ou 4 anos, o João, rapaz de 23 anos, interessante, giro, inteligente, filho de uma das minhas maiores amiga, teve um relacionamento importante e duradouro. Até aqui, pacífico! O facto que aqui destaco é que a namorada do João não era da geração dele, era da nossa (da minha e da mãe do João). Até aqui, também nada demais: o João nunca demonstrou interesse por miúdas da idade dele: achava-as (e acha) acriançadas, fúteis, parvinhas e por ai fora… Só conheci a Helena por fotografia: uma mulher atraente, com um aspecto saudável, que não tentava esconder a sua (real) idade com roupa ou comportamento de adolescente. Por tudo que o João, apaixonadíssimo, contava era o retrato de uma mulher sensata, segura, enfim, uma pessoa interessante. [lembro-me que uma vez, a meio das nossas longas conversas, perguntei ao João se o relacionamento se baseava em cama (sexo apenas). Não esqueço o ar superior, quase agressivo, da resposta: “Se quisesse só cama, andava com miúdas da minha idade!” De imediato lhe pedi desculpa, mortalmente envergonhada perante aquele miúdo que conheço desde os seus 5 anos].
O relacionamento do João e da Helena tornara-se mais sólido, os meses transformaram-se em anos, o João andava muito feliz [sem perder o interesse inicial, como eu previra, pelo fascínio do desconhecido], mas nós, amigos e família… bem, ninguém conhecia a Helena pessoalmente. Nem ele é pessoa de trazer para casa os seus namoros, nem a ela parecia pessoa de querer aproximações. Tudo bem: vive e deixa viver!
Um dia, dá-se a catarse: o João “descobre” que a Helena é casada (confesso que não me recordo de detalhes, só dos danos causados pela bomba). Não houve cenas de pancadaria, nem grandes ofensas nem escandaleiras, apenas um João completamente destroçado…Foram dias, foram noites de revolta, injúrias, pragas e alguns impropérios de um João inconformado. Eu limitava-me a ouvi-lo (que dizer numa situação destas, o clássico “isso passa”, “o tempo cura tudo”, “vais encontrar outra rapariga, vais ver”? Nem pensar, não faz o meu género - sabemos que é verdade, mas… é deixar o tempo falar por si), mas a certo momento quis saber:
- Ò João, se a Helena tem dito, quando vocês começaram a sair, que era casada, teria feito alguma diferença para ti?
- Claro que sim, A. - indignou-se, aos gritos - nunca teria andado com ela.
Pausa…silêncio… respirar fundo:
- Então, João, tu obrigaste-a a mentir-te…Ela percebeu que, se te dissesse a verdade, te perderia, logo ao início… tu não gostavas dela o suficiente para superar isso.
(…)
Recentemente, fui confrontada com uma situação: sabia a priori que, respondendo a verdade, iria provocar decepção noutra pessoa. Era uma situação informal e confesso que hesitei. Mas pensei: “porquê mentir por uma banalidade?! Posso mentir, sem o mínimo risco de ser apanhada… mas porquê? Porque raio vou mentir?!”
E não previ as consequências de um simples e verdadeiro “sim”: a decepção, a crítica, a discriminação que vi estampada no rosto deixaram-me aterrada.
Senti-me (quase) uma criminosa, a ser julgada por um hábito. Seria patético contra-argumentar, apeteceu-me virar costas e dizer “eu não estou para aturar esta m***, não fiz mal a ninguém!” Aguentei mais ou menos firme, esperando que percebesse que estava a magoar-me, “julgando-me”, rotulando-me, pela expressão que manifestava. Comecei a ver a perda acontecer diante dos meus olhos, a senti-la irreparável talvez.
Teria sido tão mais fácil mentir, mas tão mais fácil…, um “não” mentiroso teria feito toda a diferença do Mundo. Até podia ter, habilmente, contornado o assunto sem responder, omitir apenas. São tão ágil nisso, em esquivar-me... seria tão fácil!
Agora, era tarde de mais.
Agora, percebo (um bocadinho) o porquê de tanta mentira.
Agora, se pudesse voltar atrás, eu também teria mentido…
Mas, como disse ao João, naquele momento, “Só se perde o que nunca foi nosso”.
(…)
Quanto ao João, não voltou a ter nenhum relacionamento sério: mantém o interesse por mulheres mais velhas, sai com elas, mas não confia, escarneia, troça. Raramente sai duas vezes com a mesma. O João tem epilepsia, o que não o impede de ter uma qualidade de vida igual aos outros jovens, apenas deve descansar 8 h/dia, ter uma vida regrada e saudável. Presentemente, o João trabalha 14 h como engenheiro informático, é DJ num espaço nocturno muito conceituado em Lisboa, dorme 4 h/noite e tem “relações chiclet”.

2 comentários:

Salomé Mello disse...

Nunca devemos julgar sem estar na pele dos outros...mas eu estive deste lado...a tal que foi enganada quando perguntou pela verdade...enganada pela amiga e pelo homem que ama...perdi a confiança neste e naquele...acima de tudo perdi um amor porque simplesmente é insuportável a mentira principalmente quando a mentira é tão absurda que me obriga a questionar a intenção e aí sim...faria toda a diferença se eu acreditasse onde residia a intenção...por isso prefiro a verdade...mesmo que me traga as piores consequências!

Ana Alvarenga disse...

Salomé, obrigada pelo testemunho, tão sentido, que tanto enriquece este post. A Mentira é viciante, poderosa e dominadora: quando se inicia a prática, é difícil parar e assumir que... enfim, forjámos uma realidade inexistente. É fácil - demasiado fácil - criar ilusões, dizer o que os outros esperam que digamos, ser quem os outros desejam que sejamos. No fim, cai o pano, a peça encerra, os espectadores abandonam a sala... e o ser ardiloso fica só, só com a imagem que dele próprio criou. Um abraço e que possamos sempre todos resistir à mentira, enfrentando as consequências de, quiçá, sermos apenas, afinal, seres imperfeitos.