quinta-feira, 5 de abril de 2012

Do virtual para o real




“(…) Com o projecto MyFarm.com pretendemos acabar com os seus receios, relativamente à qualidade dos legumes que adquire, criando a sua horta a partir de casa (mais concretamente, do seu computador). Queremos dar-lhe a possibilidade de, através da Internet, gerir as suas culturas hortícolas. É uma Horta Real, em que os produtos nela cultivados, serão entregues na sua casa, ou no seu local de trabalho.(…)”

Ver a dinâmica aqui


No geral, não me surpreende que a ideia ultrapassasse o écran e instalasse-se na vida real. E se já vi de tudo e mais uns calções neste mundo da “virtualidade”…

Sou frequentemente gozada pelos meus amigos (pelos menos, pelos mais corajosos…) por jogar Farmville, esta “notícia” fez-me recuar no tempo e no espaço, faz no próximo Verão muitos anos, em terras do Alto Minho.

Onde é hoje uma vila super-inn (seja lá o que isso for), inundada pelos Vip’s do Norte e Galiza, lá no alto da colina, existia uma quinta. Vendia “produtos para fora”, com a particularidade de serem os Clientes a colhê-los.

Recordo com total nitidez a estrada de terra batida, de pó amarelado, que se transformava numa nuvem à passagem dos carros e nós (a miudagem) ficávamos a observá-la pelo vidro traseiro. Era no regresso das manhãs de praia – a praia também é muito visada pela imprensa cor-de-rosinha, mas há 40 anos ninguém sabia que existia, excepto o Maestro António Victorino de Almeida, justiça seja feita - que muitas vezes lá íamos “à Quinta”. A tarefa da miudagem, uma trupe de petizes entre os 6 e os 12 anos (eu era a mais nova, mas não a mais pequena) era apanhar os morangos: sabíamos que tinha que ser com jeitinho, sem danificar a planta e caminhar pelos reguinhos de terra destinados ao efeito. À boa maneira antiga, estas regras foram explicadas uma vez e apreendidas (e cumpridas) de imediato, bem como a saber escolher os que não estavam bicados pelos pássaros ou “amachucados”. Pegávamos nuns cestinhos de verga e lá regressávamos com os morangos para o almoço. Enquanto íamos lavar as mãos à torneira mais próxima, em grande animação, a nossa colheita era pesada numa “balança de mercado” com pesos e tudo e, naturalmente, paga pelos adultos.

Só anos mais tarde percebi que esta era a nossa tarefa por uma questão de altura: era-nos mais fácil andar curvados do que aos adultos… mas não receávamos meter as mãos na terra, nem havia questões de “exploração infantil” sobre tudo e mais umas botas.

Continuo a jogar Farmville, para desagrado de muitos que me respeitam, no conforto do meu sofá, protegida do frio, da chuva e do sol. Mas, e se o Futuro for deitar as mãos ao trabalho, regressar às origens e produzir para nos alimentarmos? Os nova-iorquinos “dão um braço” por um canteiro-tipo-vaso onde possam cultivar salsa… e nós, urbanos, que desdenhamos do poder da Terra e a maioria desconhece o Borda d’Água?

Vamos continuar a jogar nos computadores, como se a vida fosse uma playstation, a comunicar via satélite, à espera que a Vida nos devolva do virtual para o real. Para já, sorrio perante esta recordação de infância, onde revejo os rostos citadinos e infantis, queimados do sol e cabelos despenteados e volto a sentir, de novo, o cheiro dos morangos acabados de apanhar.

O gosto ficou-me desse esses tempos, presumo: é frequente F. trazer uma caixa com 8 kg de morangos, comprados à beira de uma estrada qualquer… que desaparecem num ápice.

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