(conclusión)
Inicio a última jornada após uma noite mal-passada. Despertador: 6:15 h, há-que fazer check-out do hotel. A manhã desponta enevoada, como eu. Engulo 1 ibuprofeno, saio para a rua fria, ao encontro de mais um dia intenso. A rua em obras (Barcelona é uma cidade com obras eternas…), muito trânsito, atravesso a rua, aguardo um táxi. Aos meus pés, desequilibra-se uma senhora mayor, atiro com tudo para o chão, deito-lhe as mãos às mangas do casaco. A senhora é pesada e nem eu consigo evitar que os joelhos lhe falhem, seguro-a o melhor que posso [tento evitar o pior, ie, que bata com a cara no cimento], ela trepa por mim acima, balbuciando: “Ai, chica”. Amparo-a ao meu corpo, pergunto-me se está bem, se teve alguma tontura…responde-me com acenos e queixa-se dos joelhos, tem as calças pretas manchadas de pó cimento/branco. Um polícia municipal encaminha-se para nós, “entrego-lhe” a senhora, certificando-me, insistentemente, que cuidará dela [é que por lá não é como por cá…acidentes por modo de obras…ai, ai o Ayuntamiento, ai, ai…]. Viro-me, para recolher “os meus pertences”: maravilha, pó de cimento/branco…em toda a minha roupa preta. “Estás liiinda! Haja saúde!”, sacudo o melhor que posso e adelante…
Chego à empresa em cima da hora, subo a correr 3 andares [eu, a mala-assoalhada e a maleta…], retomo o meu lugar dos últimos dias. Mas hoje, deixo escorrer um sorriso maroto, de cada vez que olho para a maleta, que dorme sossegada num canto…esperando a hora de, juntas, regressarmos a casa.
Alguns rostos amigos que vão chegando dão-me confiança e “a cumplicidade dos que sofrem” – a expressão é minha, nos nossos desabafos -, dormi mal, estou um pouco fragilizada. A força que sentia ontem, hoje faz-se sentir muito, muito subtil. “Mas isto já vai aquecer!”, animo-me. Da mesma forma, vejo alguns rostos de semblante fechado [analiso-os, detalho-os discretamente, afinal, “eu leio rostos”…e tiro as minhas conclusões!]. Intervalo ao fim de 1 ½ h, contra a minha vontade: “Avancemos, avancemos!”, mas não tenho sorte nenhuma, está tudo muito, muito cansado …(Mal)conformada, desço as escadas a correr, rumo à rua, para apanhar ar e fumar um (ou mais) cigarro(s).
Vejo uma senhora-jovem que empurra um carrinho de bebé, acompanhada de “uma” Pipoquinha…é quase igual à minha, totalmente branca, com as malhas pretas na barriga cor-de-rosa. Não resisto [não quero resistir…], aproximo-me e digo-lhe que tenho que lhe fazer festas, porque tenho uma [quase] igual e estou cheia de saudades…a senhora sorri (deve achar que sou louca, mas inofensiva, é o costume!), a canita não percebe nada [só deve perceber catalão…] e afago-a à minha vontade. Mostro à senhora a foto da minha Pipoquinha no screen do telemóvel, repetindo: “É quase igual à sua…”. Prosseguem os três e eu fico, fico só, de repente, na rua movimentada, a vê-las afastar, com a minha saudade. Esta é a verdadeira solidão…
A manhã prossegue, meu chefe bombardeia-me com sms’s [iguais às dos outros dias], se estou bem, se está tudo a correr bem…almoço rápido com colegas no comedouro [muita gente, muito barulho], mas tomamos café fora dali, num espaço aconchegante: 7 raparigas a carpirem as suas “mágoas”, misturando interesses: o trabalho, os filhos, os cães, os namorados…São muitos, muitos anos…de partilhas e desabafos!
A agenda da tarde é apertada, quero cumprir com rigor, para não me atrasar na saída para o aeroporto, mal me contenho de ansiedade [só quero “beijar a Portela!”] … Despeço-me de alguns colegas, naturalmente até ao fim do ano, se não for antes… A tarde é “mastigada” com assuntos de pouco interesse, monótona mesmo [ou serei eu, quiçá!].
“Sem querer”, saio mais cedo que o necessário, já não suporto mais…Em ½ h estou no aeroporto, faltam quase 2 h, quero lá saber: check-in [“agora, já não parte sem mim”, penso], dirijo-me ao Controlo: a funcionária é portuguesa, sorri-me perante o meu BI, retribuo com tanta a sinceridade. O colega atira-me com o costume: “tens dvd, portátil, cinto…?”, “Nada, só tenho vontade de chegar a casa”, “tira o casaco, a jaqueta…”, obedeço e digo à conterrânea: “ Se me mandam tirar a camisa, aviso já que não tenho nada por baixo…”, ela sorri-me, ninguém percebeu. Ele olha-me para os pés (não, não viajo com botas) e manda-me avançar. “Até qu’enfim!”, resmungo com os meus botões. Recolhida a tralha dos tabuleiros, passeio-me, passando por tantos: uns que partem, outros que regressam, imagino as suas vidas, faço filmes…
Não tenho vontade de compras (fica para a próxima…ou não!), quero ver as mágicas siglas: TAP. Aguardo na porta de embarque, ouço música, ligo à minha mãe, preciso ouvi-la, sinto saudades (o tempo está bom em Lisboa, 17º, não haverá atrasos, blábláblá…) e observo, como sempre, as pessoas. Desperto atenção em algumas, é o normal, mais do mesmo…
Embarque, sorrio de satisfação ao pessoal TAP; atraso na descolagem: um passageiro fez o check-in, mas não compareceu à porta de embarque. Por questões de segurança, a sua bagagem tem que ser encontrada no porão e retirada do avião. “Raios partam”, resmungo: além do atraso, agora vamos todos a pensar que pode ir uma bomba a fazer-nos companhia…o sr. Cmdt. não podia mentir, sff, e alegar qualquer coisita mais soft, não? Todos muito tranquilos, só eu devo ter escutado a explicação, é o que faz estar sempre alerta…o tempo passa, leva-nos uma hora que se reflectirá na chegada, e eu só penso em abraçar os amores da minha vida… a música acompanha-me, faz-me esquecer o troglodita ao meu lado: mal-educado, brutamontes, mal encarado…um horror!
Tenho pressa em sair, muita pressa mal contida, corro na manga, percorro o aeroporto e eis-me na rua…Beijo a Portela, beijo Lisboa, inspiro o “nosso” ar, com muita satisfação e um grande sorriso. Num instante, estou na minha rua, entro a correr, subo a escada a correr [quem tem paciência para esperar por elevadores?!] e entro em casa: o momento mágico acontece, a minha miudagem toda de volta de mim. Respiro de alívio e de emoção: eis-me no meu mundo. A maleta atirada a um canto, afago-os, matando as saudades, tantas saudades…Levo a Pipoquinha à rua, que brinca de satisfação, afago suavemente o capot do meu carro (ia jurar que mexe os olhinhos…tal como o “outro”), olho em redor: o jardim, os prédios, os carros, está tudo igual, mas para mim, mais belo que nunca…E sorrio à noite fresca.
…da maleta, só me interessa o saco de roupa para lavar, o resto tem tempo. Ocupo-me com trivialidades (quais quê, trivialidades? Em matar saudades dos amores da minha vida…), esperando que F. chegue, esquecendo a hora a que me levantei e que faltam também poucas para voltar a levantar.
Enquanto espero, acrescento ao meu bloquinho estas linhas; decerto que as minhas passagens por terras da Catalunha são diferentes da maioria das outras pessoas…
Nota: entretanto, já lá voltei esta semana…mas a narrativa fica para outro dia!