segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

La rentrée






…ui, como dói terminar as mini-férias…
Acordei uma hora antes do despertador tocar. É noite, noite, noite. Que fazer?! “O que não tem remédio, remediado está…”
Escuto o suave som do silêncio, entrecortado com a respiração “dos amores da minha vida”. Afago-os suavemente e contorço-me para me levantar sem os incomodar… A noite e o silêncio fascinam-me, fazem-me sorrir no escuro.
(…)
No “programa da manhã”, alteração repentina à roupa escolhida ontem: para estar bem por fora, temos que estar bem por dentro [todas as mulheres o sabem…]. E escolho outras meias, sorrindo de satisfação. Meias “marotas”, discretas e formais até “onde toda a gente vê”, mas “diferentes” onde “só vê quem eu quero…ou não”. A satisfação que sinto é imensa: este é um “luto” diferente, quero fazer o luto dos últimos dias, de uma maneira saudável e radiante. Tal como os polvos que deram à costa nos últimos dias, “envenenei-me” e, agora, cabe-me a desintoxicação. Porque eu mereço!


Estas meias apelam a complementos especiais, também negros, que ninguém vai ver, mas quero e posso, preciso sentir-me radiosa, para enfrentar o dia que se avizinha… Olho-me ao espelho e rio-me: há quanto tempo não tinha esta imagem de mim? F. passa no corredor e espreita-me, ensonado: “Que fazes a pé tão cedo? Ontem deitamo-nos tardíssimo!”. Pois foi, estivemos a “conversar” até às tantas…sobre tantas coisas. “Estou gira, não estou?” – brinco, provocadora – “Agora, só faltam as luvas de pelica, pretas” [não está frio, mas as luvas são sempre um complemento muito chic, que escondem mistérios…] – informo – “E ponho a gabardine preta e vou assim para a empresa, que achas?” – atiro numa gargalhada. “Se não tirares a gabardine…”
(…)
Segunda satisfação: a roupa assenta-me na perfeição, apesar destes dias de semi-nula actividade. Pede algo especial, aquele cinto, do Brasil ou da Tunísia, já não me lembro, onde é que estará? Maravilhoso, fica mesmo a matar!
Terceira satisfação: os pós (de perlimpimpim) fazem milagres, escondem olheiras e olhos inchados. Pós coloridos e mágicos compõem-me o rosto, porque eu preciso! Esta Tela está completa e maravilhosa, “o que não nos derruba, torna-nos mais fortes”.
Encaro-me com intensidade no espelho, formulo em voz alta as perguntas-chave: “O que vais ter hoje? …an Happy Day!” e “Qual é o objectivo de hoje? …ser feliz e nada me vai magoar!”.
“ Venho mais tarde, vou ao “meu” spa, preciso de mimos…Por favor, trata da miudagem! E vai dormir mais um pouco, é tão cedo ainda!” – recomendo, fechando a porta atrás de mim.
Na rua, o ar quente de Sul anuncia mau tempo. Vem de Marrocos, com aromas de especiarias, que se misturam com os de terra molhada. As nuvens cerradas não permitem que vislumbre Pégaso…o Tempo nunca nos engana.
No “meu” quiosque, rostos de semblante carregados: a Xuxa está internada, já levou transfusões de sangue, com o mesmo diagnóstico da filha…”Não chore…para chorar estamos sempre a tempo…depois!” – apelo. A nossa miudagem, ah, terem saúde é tudo! Mentalmente, abraço “os amores da minha vida”.
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Eis-me nas imediações de Vale de Loucos, olho de longe os “meus” refúgios, entre os jardins, que testemunharam tanta gargalhada e tagarelice…Nem me atrevo a aproximar: “hoje não, ainda não, seria demasiado…”. Combato as lágrimas que teimam em explodir, relembro as formulações: “…e nada me vai magoar!”
Em Vale de Loucos, só um colega, outro madrugador. Pelo aspecto, também precisa de férias…das férias. Dele, tenho uma das melhores prendas de Natal, para quem ama livros (ele sabe!) e agradeço-lhe de coração. Fecho-me na minha “concha”, endireito as costas com determinação, estou pronta para enfrentar o [meu] caos de dia que se avizinha.
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Quando a Cris chega, já estou há horas, quase lhe perdi a conta. “Café, já, senão caio para o lado”, e não se faz rogada. Após a polémica “guarda-chuva, sim-não-talvez-é melhor”, estamos na rua. “Leio” o Céu: “Hum, isto não está nada bom…instável…carregado de electricidade…ar abafado, mas sinto frio!”. Pergunta-me pelas férias: "sou uma estúpida, tantos projectos e não fiz nada do que queria…não vi os filmes, não li os livros…um desperdício…uma parvoeira…sou uma estúpida XXL! Só se aproveitou o tempo que passei a amar a miudagem. Podia ter ido para qualquer lugar do Mundo, Cris, para Cuba, para o Brasil, para onde me apetecesse e fiquei, fiquei, só e apenas, como uma estúpida.”
Enquanto me perco nestas divagações, o “nosso fã nº 1” derrete-se em olhares: “Este tipo cada vez está mais parvo, já nem o posso ver…acho que ele tem fantasias connosco, não achas? E vou já tirar isso a limpo, para começar bem o ano…” – rosno à Rambo, dando meia-volta. Segura-me por um braço: “Estás parva? Que te deu? Deixa lá o parvalhão…Estás bem?”, “Estou bóptima” e levanto o vestido, mostrando-lhe as meias “marotas”, com a cumplicidade dos carros estacionados, largando uma gargalhada. “Isto” – fazendo um gesto com a mão, abrangendo-nos – “não é para quem quer…é para quem pode…e tem que querer muito, Cris, mas muito mesmo, senão não vale a pena…é, só e apenas, tempo desperdiçado!”

Fala-me dos seus dias de férias: está estafada, desejosa de trabalhar, para descansar... Da família. Escuto-a em silêncio, as peripécias das miúdas, dos cães, da mãe…Lembro-lhe que quem estava estourada, segundo ela, era eu, antes das férias e que tantas vezes me deu na cabeça, “com doçura”, como compunha sempre. Agora, vejo-a exausta. Exausta da vida que escolheu. “Cris, somos nós que escolhemos a vida ou é a vida que nos escolhe?”, olha-me, muito séria, interrogativa, sem resposta. Também não a tenho; eu tive sinais, mas recusei-me a vê-los: “Sabes que dei um tombo nas escadas ½ h antes da Passagem de Ano?! Foi um sinal, que me ia “estatelar” completamente, mas eu não quis ver…mea culpa! Grande estúpida que sou! Mas sabes do que me orgulho: não toco em chocolate há mais de 3 meses! E nem imaginas como desejei, nesta última semana, a serotonina, a “hormona” da Felicidade! Aliás, só provei meia colherzinha, do prato de J1, no almoço de Natal…estou tão orgulhosa de mim!”
(…)
Chefe continua “a amar-me”, já não é mau. Até quando, nunca sabemos…O 1º dia de trabalho do ano é sempre muito preenchido de beijos, abraços e sorrisos de toda a gente…”Só é pena que dure tão pouco!”, atiro-lhes com frequência, como Pastilhas de Cinismo. Chefe faz o balanço do ano que terminou, apresenta decisões, ponderações e projectos para 2010. Escuto-o com atenção, em silêncio e muita concentração: terei oportunidade de apresentar as minhas conclusões: voltamos, então, à Época das Vacas Gordas, já não é mau! Exponho-lhe alguns projectos que idealizei nas mini-férias, concorda que têm pernas para andar [fiz “outras criações” também giríssimas, mas ontem à noite foram para o lixo…porque já não fazia sentido mantê-las vivas!]. Não gosto de ser apanhada nas curvas, e ele sabe-o, os projectos são válidos na sua génese, precisam ser desenvolvidos, ganhar vida…Quando “sentir” o momento, “fecho-me” e desenvolvo-os…agora, com a sua aprovação [que me valeu rasgados elogios!], valerá a pena…e não irão para o lixo.
(…)
É noite escura, de novo. Encerro o dia. Recordo as palavras do “bom-velho-colega-amigo”, [outro “dinossauro” nesta estrutura], desta manhã: “estamos todos sob grande pressão, mas tu és o nosso suporte!”. As suas palavras são um conforto e digo-lhe, sem medos, porque a admiração profissional é mútua. No início de Dezembro, quando lhe disse, num desabafo, que andava a “amparar” o trabalho de 3 pessoas, perguntou-me, a rir, se também me tinham triplicado o salário…São tantos anos, tantos momentos, tantas viagens…éramos uns miúdos…e continuamos a ser, não é verdade?
É noite escura, de novo, saio determinada a viver a minha vida. Olho para a porta que se fecha nas minhas costas e murmuro-lhe: “Já não és a minha prioridade…há muito que já não és…mas continuas a ser um elemento vital, o meu ópio, a minha adrenalina, o meu equilíbrio, e, se há momentos de desespero, também os há muito gratificantes…a isto chama-se viver!”

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