terça-feira, 22 de junho de 2010

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Segunda-feira, 05:18 h.
A noite invade-nos. A noite, cúmplice de nós . A noite, de negro como tu; a lua, de branco como eu. A gata negra, como uma pequena pantera, acompanha-te, apenas lhe luzem os olhos oblíquos [já tivemos uma gata branca, a acompanhar os nossos passos, como uma Deusa, lembras-te?]. Reconheço o teu vulto, os teus passos, reconheço tudo em ti
“- Estás bem acordada?” – certificas-te.
“ - Num…mas o carro sabe o caminho para casa…”, enquanto dobro as mangas do leve casaco branco, acima dos cotovelos, aumentando o contraste com os braços morenos – ou será uma forma de evitar olhar-te …

Seguras a minha mochila, enquanto abro o carro. Abres a porta de trás e ajudas a Pipoquinha, que mal pode abrir os olhos de sono, a entrar. Colocas a mochila ao seu lado, com gestos lentos, a prolongar estes últimos momentos, enquanto te observo, com batimentos acelerados, num misto de alegria e tristeza. Gestos tantas vezes repetidos, tantas segundas-feiras, mas sempre com a emoção da primeira vez. Ao virares-te, os nossos olhos encontram-se, no nosso silêncio, em tudo aquilo que não dizemos. Num flash, passam-me as palavras tantas vezes repetidas: “vai à frente, é perigoso, pode haver um toque e atiro contigo para a valeta…por favor, vai à frente!”, como resposta, obtive sempre esse sorriso, largo, encaixado no teu rosto quadrado.

Afagas, de novo, a Pipoquinha – por um segundo, fecho os olhos e sinto a tua carícia -, ouço o som seco de bateres a porta. Fixo-me no teu sorriso, enquanto abres a minha porta – estamos perigosamente próximos, como sempre estivemos, “não há nem pode haver…”, esta Força, este Poder transcende-nos, os ombros quase se tocam, perigosamente próximos, como sempre estivemos, no nosso silêncio, em tudo aquilo que não dizemos.

Segunda-feira, 05:25 h.
[Tantas vezes tomámos o pequeno-almoço a esta hora, tantas vezes dançamos na praia, ao nascer do sol…]
Tenho que entrar, penso, exalando um suspiro. Sento-me, deixando uma perna de fora, semi-coberta pelo vestido branco – não sei se fique, não sei se vá. Apoias-te entre o tejadilho e a porta entreaberta. O painel ilumina-me o rosto, a luz fria devolve-me à realidade. Recolho a perna, ajeitas-me o tecido e, devagar, bates a porta, enquanto o vidro desce. Preciso do ar fresco da madrugada, preciso! Colocas as mãos na janela – não posso olhar para ti, não agora, estamos perigosamente próximos, como sempre, as nossas testas quase se tocam.

Fixo-me nas tuas mãos e sinto o teu sorriso tão próximo, mas tão próximo que dói…Por instantes, perco-me no Tempo e no Espaço. Endireito-me, dou à chave, o som suave do motor quebra o silêncio da noite … e os nossos silêncios. Murmuras, num fio de voz:
“ – Faz-te à estrada, querida!”, endireitando o tronco e libertando, a custo, as mãos.

Agora, sim, elevo o olhar e prendo-o nos teus olhos. E tudo aquilo que não dizemos… Cruzo os braços sob a janela [ainda sinto o calor das tuas mãos], apoio o queixo e observo-te, de costas, caminhando. É a hora da partida – até quando, nunca sabemos!

Viras-te para mim, a sorrir – ah, esse sorriso! -, colocas o capacete. Fixo-me nos teus olhos, sei que sorris ainda. Baixas a viseira. Vamos deixar a Vila, nossa cúmplice e testemunha. É [mesmo!] a Hora da Partida.

A estrada [deserta] é nossa. Dá-nos uma partilha, um poder absoluto. Esqueço o medo de haver um toque. Sinto-te comigo, vigio-te pelos espelhos, homem e mota, de negro como a noite. Sinto-me protegida. Sinto-me feliz.

Se esta estrada fosse eterna…

Perto das curvas que nos separam, ligo os 4 piscas: é o adeus, o até breve, o até ao próximo fim-de-semana ou …o até quando os Deuses decidam.

Observo-te a curvar, quase deitado, rumo ao Sul. Com um aperto no peito, viro na saída seguinte, rumo ao Norte. Terminada a curva fechada, em sentidos opostos da auto-estrada, acompanho pelo retrovisor um ponto vermelho…o meu último olhar.

Estamos tão presentes…parece que foi ontem…e não foi?!

1 comentário:

maria teresa disse...

Tanta emoção tanto afecto, tanta ternura, tanto amor...
Porquê o sofrimento?
Abracinho